Crônica: A hipocrisia do "Dia do Índio".

Não há o que se comemorar no "Dia do índio"




        O "Dia do Índio" é comemorado dezenove de abril, de cada ano, porém é uma data que não expressa nenhum impacto social. No Ensino Fundamental é ensinada às crianças a visão de um índio estereotipado: peninha na cabeça, uma tanga e pinturas no rosto. Também era informado que eles moravam na floresta, caçavam animais e desenvolviam uma agricultura de subsistência. E só.
        A  criança vai se tornar um adulto alienado que, certeiramente, há de alienar sua prole também. Desde o ensino básico, o brasileiro não é estimulado a pensar sobre as suas raízes étnicas e o verdadeiro significado da palavra orgulho. Por que a palavra orgulho? Há uma evidente vergonha étnica com relação aos indígenas latinoamericanos e uma inclinação ao ideal eurocentrista. Na verdade esse tipo de comportamento existe desde o período imperial brasileiro, o escritor Lima Barreto já relatava, em seus romances, como era o comportamento do subúrbio carioca. Onde descender de europeu significava status social e um paradigma diferenciado dos que descendiam de latinoamericanos ou africanos.
          Esse comportamento se dá por duas vias. A primeira via é a da classe dominante, no topo da pirâmide social, essa que controla majoritariamente os meios de comunicação de massa do país, que injeta seus valores ideológicos no pensamento das classes sociais inferiores no estrato social. Os valores disseminados na malha social visam garantir e perpetuar o poder vigente, do qual ela  é a grande privilegiada enquanto mais alta classe social. Aqui encontramos o princípio maquiavélico de manutenção do poder, além da questão de como Erlich estava certo com relação à igualdade material. Essa definida por poder e status quo, podemos inferir que o país que possuir mais recursos e prestígio consegue se impor perante os demais. E realmente é o que ocorre atualmente no mundo. Nações em desenvolvimento totalmente submissas e controladas por superpotências.
          A priori comecei falando sobre o índio e a linha de raciocínio seguiu o caminho de pensar nas relações internacionais. Porque a idolatria eurocêntrica provém da riqueza que essas nações ostentam, seus modelos de ensino e tecnologia, além das façanhas militares. Mas tem algo por detrás de "tanto sucesso". Exploração, roubo e crimes. Quando um país em desenvolvimento tem sua política interferida, golpe de Estado, isso é um crime. Usam os artifícios do Direito para culpabilizar inocentes e safar os pérfidos. Esse pensamento etnocentrista é fruto da herança colonial portuguesa, dos títulos de "nobreza" e "fidalguia" desde a descoberta em mil e quinhentos. Essa herança foi se passando, de geração em geração até os dias de hoje. E a segunda via, citada linhas acima, tem a ver com o povão. O acesso à uma boa educação é privilégio para poucos nesse país, assim sendo a grande maioria da população (pelos dados do IBGE) encontra-se na condição de analfabeto funcional. Os analfabetos funcionais conseguem facilmente serem manipulados, porque eles dão cientificidade e autoridade aos meios de comunicação de massa. Muitos ainda consideram quase que sagrado as notícias que se passam no "Fantástico" aos domingos. A famosa falácia da autoridade. Tristemente, pela alienação, a própria massa age contra si própria o que garante o domínio aristocrático vigente.
            Então o índio é retratado como advindo de uma sociedade inferior e atrasada, uma visão completamente xenofóbica. No ano de dois mil e dez, em Santa Catarina, um homem de trinta anos degolou uma criança indígena de poucos meses de vida. De que maneira? A mãe estava com a jovenzinha, na rua, quando um homem aparece e fere o pescoço da mesma e sai correndo. Crime de ódio, pois essa família estava vivendo em situação de rua. Existe toda uma estereotipação étnica e sociocultural em relação ao indígena. Então a grande massa populacional, negra e indígena, envergonha-se de si própria e renega às suas raízes ancestrais. Uma visão que provoca sabotagem e autodestruição. Há uma ideia de que não ser branco significa ser pobre e subalterno.
            O período republicano resolve então, em certo momento, inserir no calendário cívico o "Dia do Índio". No entanto durante a construção da Transamazônica, no governo de Emílio Médici, aproximadamente cerca de oito mil indígenas foram assassinados e considerados desaparecidos. Como podemos comemorar o Dia do índio se a consciência coletiva não compreende a importância da demarcação de terras? Essas comunidades indígenas, de centenas de grupos étnicos, contam com um Estado que não legisla à favor delas. Também não possuem uma organização militar, capaz de autodefesa, por isso centenas de índios são exterminados todos os anos na briga por posse de terras. Os latifundiários vão aumentando suas terras, por grilagem, e começam aos poucos a estenderem os seus domínios sobre regiões demarcadas pelo Governo. As comunidades indígenas começam a resistir, os posseiros começam a ameaçar de morte os índios e estipulam prazo para saída das terras. Os corajosos, que não cedem às ameaças, muitas vezes são covardemente assassinados. O interesse nas terras indígenas é imenso, pois há trilhões de dólares em fortuna (no subsolo com a abundância de minerais), como também para ampliar as atividades de pecuária para exportação e monocultura de soja. Não podemos nos esquecer que a madeira derrubada rende grandes quantias em dinheiro, por isso os índices de desmatamento ilegal estão aumentando e o governo não tem feito muito para barrar tal ataque ambiental contra nossa Amazônia.
              Essa data que deveria repensar nossa empatia sobre os indígenas, legítimos habitantes de suas terras e como as políticas públicas são insuficientes. Algumas comunidades estão tendo contato com o Estado brasileiro e ONG's, já recebem uma catequização forçada e começam a receber lavagem cerebral. Comunidades indígenas por exemplo, onde a homossexualidade era permitida, passam a temer praticar a homossexualidade. O índio não pode ser visto como um ser bobinho, desprovido de maldade e plasticamente manipulável. Quando o olhar tornar-se humano e empático, quando eles forem percebidos como semelhantes aí isso refletir-se-á nas políticas públicas.  Aí entra a questão dos meio de comunicação, o pensamento coletivo precisa ser alterado mas nosso povo enfrenta alguns entraves ao progresso intelectual e do esclarecimento de nossa nação. No contexto atual, a data festiva de hoje é mais folclórica que cívica. Que data é essa? Que os homenageados do dia são tratados com desprezo durante todos os dias do ano? Comemorar o quê? Se a cada ano que passa suas terras estão sendo expropriadas à força, centenas de índios tendo suas vidas ceifadas pela ganância e xenofobia. Da forma como está sendo "comemorada", a data tem apenas significado etiológico mas não literal.  Do jeito que comemoram, essa data ululantemente despicienda, só me vem na cabeça um termo oxímoro: desumanos direitos humanos.


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