Conto: Palmeirão, a dama da noite.

       Geraldo resolveu ir a um bar, no Centro de Curitiba, para tomar cerveja e escutar música. Na verdade ele não gosta de música sertaneja, mas o ambiente tão antagônico (com sua realidade) adquire um viés agradável que o faz desligar-se da rotina. Entusiasmado vai até o balcão para pedir um litrão de Skol, bem gelado, e  apenas um copo. Também solicita ao caixa que troque uma nota de vinte reais para que pudesse escolher músicas na jukebox. Ao receber o troco, enche seu copo, com cerveja, e dirige-se até a maquina para escolher canções e apreciá-las enquanto embriaga-se.
           Ao começar a manusear o equipamento encontrou, ao acaso, vários álbuns do Modern Talking e resolveu ouvir instantaneamente "Cheri Cheri Lady". No que a música começa a tocar, nas potentes caixas de som, uma mulher grita de alegria e aproxima-se da mesa dele.
- Oi, tudo bem? Você que escolheu essa música?
- Sim, tem músicas que raramente escuto no dia a dia mas no bar eu gosto de ouvir.
- Amei, amei, amei! Lembrei dos meus tempos de moça.
- Legal.
- Quantos anos você acha que tenho? (diz toda empolgada)
- Hum! Eu acho que você deve ter entre trinta e cinco a quarenta anos.
- Errou! Tenho quarenta e sete. E você?
- Vinte e cinco.
- O que está fazendo aqui?
- Ah,  quis tomar uma cerveja e passar o tempo.
- Você não tem cara de quem frequenta este tipo de bar.
- Eu gosto da simplicidade, aqui não conheço ninguém e posso ser eu mesmo. Posso dançar, ficar alcoolizado e dar uma namoradinha sem nenhum tipo de pressão.
- Que tipo de pressão?
- Aquele tipo de pressão que fazem, de como temos que nos comportar, exigências e mais exigências. Deixamos nossa individualidade de lado para nos tornarmos atores. É a mecanicidade das relações. Papo muito complexo, deixa para lá. Fale mais sobre você...
- Aqui as moças mais jovens não gostam de mim, porque eu sou a que consigo mais programas por noite. Enquanto uma novinha de vinte anos, faz dois ou três programas por noite, eu faço dez. Eu sei do que os homens gostam. Aliás, prazer, meu nome é Palmeirão. Está vendo essas novinhas aí? Todas tem inveja de mim, imitam até o estilo do meu short. Despeitadas!
- Você realmente é bem bonita.
- Ai, obrigada! Uso sabonete da Natura, acho um luxo, um glamour. E as roupas compro em um brechó perto de casa, a dona é minha amiga, vivo sempre lá.
- Realmente, você é cheirosa!
- Gostou desse perfume? É Jequiti, da Patrícia Abravanel. Agora tenho o mesmo cheiro dela! (e dá uma hilariante gargalhada)
- Gostei de ti, muito simpática e engraçada.
- Ai, comigo não tem tempo ruim, sou assim mesmo,
- Pegue aqui seis reais, vá lá escolher músicas.
- Sério? (expressando felicidade)
- Sim, escolha músicas bem animadas para tomarmos cerveja.
- Posso pedir Zezé Di Camargo?
- Pode escolher tranquilamente o que quiser. Enquanto isso vou pegar mais um litrão para nós, pensei também em pedir uma porção de calabresa. 
- Que delícia! Adoro calabresa frita com mostarda. Bastante mostarda.
- Vou pedir para nós.
Ele vai até o balcão, pede a cerveja e a porção. Enquanto isso ela escolhia alegremente as músicas sertanejas, que tanto queria ouvir, enquanto expressava um simpático sorriso para o moço. Passado alguns minutos, o garçom entrega a porção na mesa.
- Que delícia! Posso te fazer uma pergunta?
- Você está sofrendo por uma mulher, né?
- Sim, não consigo tirá-la do pensamento.
- Que pena, eu pegava, te achei uma gracinha. Você é muito querido.
- Obrigado.
- Espero te ver outro dia aqui, apesar que não sei por quanto tempo ficarei neste bar. Sabe, todas as minhas amigas já se aposentaram, eu ainda estou na ativa. Não quero essa vida para sempre. Queria ter meu marido e cuidar de um lar. Já passei tanta dificuldade na vida e, para piorar, estou ficando velha. Não sei por quanto tempo ainda continuarei gostosa.
- Você é bonita, com certeza conseguirá um marido.
- O problema, gatinho, é que eu sou apaixonada por um homem casado. A mulher dele está muito doente, não pode ter coito, então ele busca o prazer comigo. Ele diz que me ama mas, como é casado e tem três filhos, ainda não pode me aceitar. Um dia, quem sabe. Então como ele não me assume, tenho que me virar sozinha com as contas. 
- Se não for com ele, será feliz com outro. 
- Gatinho, ele foi o único homem que soube me dar prazer na cama. É o amor da minha vida. Um libriano. Sabe que libriano tem o coração ruim, né? Quando quer fazer pirraça, sabe fazer como ninguém. Aqui não sinto prazer, aqui eu dou prazer. Aqui é trabalho. Sempre volto para casa com uns trezentos reais na bolsa.
-  É doloroso amar e nunca ter sido amado por ninguém.
- Você que pensa, gatinho! Com certeza elas te amaram sim, mas amaram do jeito delas.
- Não seja bobo de sofrer por amor. Você é novo, tem mais é que aproveitar a vida e não firmar compromisso com ninguém.
      A conversa foi fluindo, a noite toda, até que o dia começou a raiar. Vários litros de cerveja, conversa agradável sobre banalidades cotidianas. Um coração simples, pureza humilde. Fez Geraldo voltar para casa com as energias recarregadas. Antes de entrar no Uber, deu um longo abraço na dama da noite, abraçaram-se como se fossem amigos de longa data. Nunca mais se viram. 


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