Funes, o memorioso. O conto que traz uma grande lição.

Pensar e memorizar são ações distintas!



       Ontem, de madrugada, li o conto de autoria de Jorge Luís Borges: Funes, o memorioso. Apreciei muito! Apesar do mesmo ter sido engendrado em mil novecentos e quarenta e quatro, continua atualíssimo e sua mensagem implícita nos remete à uma profunda reflexão. Qual a diferença entre intelectualidade e pedância? Qual a utilidade de uma imensa capacidade de memória se não souber articular as informações e refleti-las?
       O conto começa falando de um rapaz com habilidades notáveis de memorização. Possuía uma célere facilidade em memorizar fatos históricos, minúcias e idiomas; era péssimo com relacionamentos humanos. Relacionar-se com outras pessoas, exigir-se-á inteligência emocional e Funes era péssimo em manter bom relacionamento com as pessoas ao seu redor. A obra evidencia uma antinomia entre memória versus inteligência, possuir um vasto cabedal de informações não torna uma pessoa inteligente em si (pois decorar e refletir são ações distintas). 
      Brilhantemente o autor metaforiza a imensidão da memória de Funes com a lendária "Biblioteca de Babel", ou seja, uma biblioteca totalmente inútil por ser incapaz de ser decifrada. O cérebro humano, que memoriza sem contextualizar e refletir acaba sendo um banco de dados acrítico e amorfo. Subjetivamente, aposto dizer que talvez Funes fosse portador de autismo de grau leve. Os portadores de autismo, de espectro leve, possuem habilidades fantásticas em diversas áreas do conhecimento humano porém são péssimos para simples interações e em perceber o outro (talvez isso justificasse a dificuldade do mesmo em manter amizades). No entanto, é mera conjectura do meu entendimento do conto. Ser inteligente não diz respeito ao quanto de memória possuímos, armazenadas em nossos compartimentos cerebrais, mas a forma como conseguimos usar nosso conhecimento.
       De forma alguma Funes é depreciado pelo autor, que o considera como um dos homens mais "memoriosos" que a Argentina já viu, no entanto viveu como um reles e faleceu por problemas pulmonares. Todavia sua memória acima da média não fez dele um homem diferenciado, acima dos demais, muito menos facilitou suas relações interpessoais. A memorização acrítica é uma osmose, sem filtro, de informações desencontradas; a reflexão é o oposto. Além disso, o notável memorioso também não esquecia os fatos ruins - que todos os homens estão sujeitos - e isso fazia dele alguém ressentido. Outro sinal claro de que ele não possuía inteligência emocional para lidar com seus sentimentos, para esquecer o que não merecia relevância para garantir sua paz psíquica. Funes, nas entrelinhas, não possuía paz psíquica e não fez nenhum ato notável que tivesse impactos sociais.
        Inteligência não diz respeito à formação acadêmica, nem ao grau de erudição, a mesma começa no cotidiano ao saber viver em paz e harmonia com quem nos rodeia. Inteligência é conseguir o autoperdão, o autoconhecimento e desenvolver a empatia pelo próximo, ter uma visão multidimensional além das meras linhas de um texto. Ser inteligente é ter um feeling para utilizar bem os recursos que o cercam. Saber muitas informações e gabar-se delas não é inteligência, é mera vaidade e pedância. Ótimo conto.
      

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